quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Um dia de filmagem

Terça-feira, dia 19 de agosto de 2009. Eu – João Daniel – Adson e Ederval estávamos prontos para mais um dia de filmagem – estamos, enfim, começando a gravar. O que nos afigurava-se algo um tanto quanto simples, prático e objetivo, se tornou num verdadeiro chafariz de problemas. Nunca, em momento algum da pré-produção, se passou pelas nossas cabeças que estaríamos diante de tantos imprevistos.

Ao final do dia, Ederval proferiu uma reflexão certeira: o dia foi cansativo e ocorreram fatos lamentáveis (alguns até irreversíveis), mas tudo isso serviu para nós como uma lição. A partir de agora, podemos considerar que estamos meio que isentos, não dos problemas, mas da idéia de que não teríamos problemas.

Eu poderia transformar esse texto numa crônica cômica, elencando as pequenas tragédias pelas quais passamos, como o fato de que tivemos de ir a um salão de beleza pegar uma chave de fenda para tentar consertar um spot de luz ou ao mais hilário ainda fato de que não pude ficar na beira do campo para ajudar na filmagem porque, pasmem!, eu estava de bermuda. Mas devo falar mais, ainda que brevemente, sobre a experiência de operar uma filmadora digital – algo que, por Deus, é dificílimo.

O dia era de jogo do Fluminense de Feira atual. Fluminense X Tupi, jogo de ida. Pretendíamos filmar não só o jogo, mas a preleção, os bastidores no vestiário e no CT e os eufóricos estímulos de todos para todos, como os abraços de urso, as rezas de pai-nosso, os xingamentos aos mineiros do Tupi e os xingamentos ao nada, utilizados apenas pelo próprio prazer de xingar. Logo de cara já tivemos um empecilho: o treinador não queria filmagens, pois não queria que os jogadores se desconcentrassem. A postura dele era compreensível, mas fizemos questão de tentar filmar, e argumentamos que não éramos imprensa, que não divulgaríamos o material na mídia ou coisa parecida.

A partir daí surgiram problemas de transporte e de comunicação, mas não desistimos da nossa empreitada. A única coisa que nos faria parar era a Natureza: se chovesse, não filmaríamos. Não choveu.

O primeiro tempo terminou de 0 a 0. A filmagem foi feita lá no campo, atrás do gol, em vários ângulos (vale lembrar que nosso documentário fala da campanha de 69, mas temos a pretensão de alternar as fotos e registros visuais e radiofônicos da época com imagens atuais, apenas para ilustrar). No segundo tempo, Eder e Adson subiram para a platéia e pude acompanha-los (ainda contamos com a presença ilustre do camarada Uyatã, que ajudou a equipe); porém, em poucos minutos, o Tupi fez um gol. Era 1 a 0, e a torcida esmorecia, enquanto as imagens iam ficando cada vez menos empolgantes. Só no final do jogo é que o Fluminense viria empatar, e a torcida organizada Falange Tricolor vibraria com paixão novamente. Filmamos tudo.

A experiência de filmar as pessoas é incrível. A presença de uma câmera daquele tamanho intimidava os torcedores, mas não no sentido de retraí-los, e sim de imbuí-los em atributos que provavelmente não são comuns em suas respectivas personalidades. Estou querendo dizer que todos se tornavam mais amigáveis, queriam ajudar, queriam ser úteis (e se portavam de uma maneira que provavelmente não era a mesma que adotavam no seu dia-a-dia). Se pedíamos pra sair da frente, saíam; se pedíamos pra gritar mais, gritavam; se pedíamos pra fazer algum número ensaiado, faziam. Em certo momento, peguei a filmadora e estava pensando num ângulo interessante enquanto olhava os torcedores frenéticos acima de mim. Adson me interpretou erroneamente: achou que eu estava receoso de subir no meio do povo com aquela câmera profissional recém-adquirida (ah: a câmera é de Murilo, também da equipe) e disse “Pode subir, não tenha medo”. Um dos torcedores ouviu, e veio me “encorajar” também: disse que eu podia avançar, que ninguém ia morder, e começou a falar com todos para sair da frente, para abrir espaço, para fazer bonito frente à câmera.

Naturalmente, a maioria das pessoas era movida pela vaidade – não foram poucos os que perguntavam se ia “sair na Globo amanhã”. Mas havia, dentro de todos aqueles corpos, uma harmonia, um desejo único de fazer algo bonito, algo que valesse a pena, e o mais importante: que isso fosse feito coletivamente. Quando terminou o jogo e desligamos a câmera, várias pessoas vieram nos perguntar o que é que estávamos fazendo. E vimos Ederval e Adson, os idealizadores do projeto, se deleitando em explicar a todos, sem discriminação, que estávamos produzindo um documentário sobre o Fluminense de Feira. Curiosamente, todos, sem exceção, perguntaram se a gente era de Feira “mesmo”. Alguns chegaram a comentar: “Até que enfim estão fazendo alguma coisa ‘assim’ pelo time”. E essa reação está, afinal, diretamente ligada ao nosso objetivo: despertar na população feirense esse sentimento de que sim, existem pessoas que estão preocupadas em resgatar a memória e a cultura local e que sim, mais ainda, é notório e louvável o fato de que tudo isso só poderia ser realizado em conjunto com os próprios habitantes daqui. Porque nada irá substituir a imagem de um líder de torcida puxando um coro com a voz já terrivelmente rouca ou um torcedor indignado gritando para um jogador: “Você é um v**** mermo, seu corno.”

Autor: João Daniel

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